Gravidez Consciente – Por Dr. Thiago Duarte

09Em áreas de maior vulnerabilidade social de Porto Alegre, como a Restinga, uma a cada três grávidas é adolescente, ou seja, tem menos de 18 anos completos. Isto desencadeia uma série de problemas sociais e de saúde: antes dos 18 anos a gravidez é por definição de alto risco, a menina não está plenamente desenvolvida e aumentam situações como a prematuridade e, depois de nascida a criança, surgem as dificuldades para a mãe precoce desempenhar a maternidade em sua plenitude.
Um dos mais visíveis dos desdobramentos da gravidez precoce é a evasão escolar. Dos 7 aos 14 anos de idade, 98,6% das meninas estão no colégio. E, dos 15 aos 19 anos de idade, o número de alunas baixa para 21% (elas saem da escola, em grande parte, porque engravidam).
Em um caso que atendi no Hospital Materno Infantil Presidente Vargas, tive contato com duas irmãs com um ano de diferença – uma grávida e a outra acompanhando a irmã mais nova, ambas menores de idade. A jovem grávida já estava na segunda gestação, não tinha conseguido colocar o implante subcutâneo; a outra irmã teve acesso ao implante de anticoncepcional.
Pouco mais de um mês depois do nascimento, a jovem mãe me procurou no hospital para colocar o implante de anticoncepcional (o “chip”, como ela e a irmã o chamavam). Perguntei se queria mesmo o anticoncepcional. Ela disse: “Sim, doutor, quero muito”. Indaguei se estava bem de saúde e a jovem mãe me garantiu: “Sim, estou ótima, só sinto, às vezes, uns enjoos”. Fiz o exame e já estava grávida de novo, de gêmeos, menos de 45 dias depois de ter dado a luz.
A irmã, mais velha, que teve acesso ao planejamento familiar, estava prestando exames para ingressar na faculdade, enquanto a irmã, um ano mais nova, deu a luz a seu segundo filho e seguia fora da escola, vivendo do Bolsa Família. Em resumo, uma irmã acabou tendo quatro gestações indesejadas, por não ter tido acesso ao anticoncepcional. A outra, que teve acesso, conseguiu ter outra perspectiva de desenvolvimento social e humano.
Fiz perto de 7 mil partos, como médico municipal em um hospital público. O parto mais precoce que realizei foi de uma menina de 11 anos da Restinga, cujo pai de seu filho era o próprio irmão. No total, 85% das demandas do Conselho Tutelar da Restinga são motivadas por abuso sexual. Perto de 80% destes casos apresentam situações de abuso dentro da família, sendo que muitos destes casos acabam ensejando gestações indesejadas de meninas adolescentes.
A mais prioritária política pública na área da saúde no município de Porto Alegre deveria ser o planejamento familiar e a prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, estas duas políticas públicas caminham juntas.
Porto Alegre é a capital brasileira dos casos AIDS, e também é a capital brasileira dos casos de Sífilis, que tiveram um aumento de 5 mil por cento. Infelizmente, a repercussão desta escalada da Sífilis é a morte de crianças com várias semanas de gestação dentro da barriga das mães. A Sífilis já se apresenta como a maior causa de morte fetal intrautero e também causa de retardo mental de crianças na primeira infância. O aumento vertiginoso destas doenças em Porto Alegre não está sendo contemplado com políticas de saúde, como cuidados no pré-natal. As grávidas infectadas por sífilis, com seis aplicações de antibiótico em período adequado, conseguem impedir a repercussão da Sífilis no feto, mas, muitas vezes, falta o antibiótico no posto de saúde.
O Bolsa Família deveria premiar aos casais que planejam suas gestações, para não ser percebido como um prêmio para aquelas e aqueles que não se preocupam com planejamento familiar ou prevenção a doenças sexualmente transmissíveis, as DSTs. Urge que as meninas das periferias de Porto Alegre possam ter acesso aos meios para decidirem quando querem ter filhos, e não podemos fazer vistas grossas para o fato de que muitas destas gestações indesejadas de adolescentes acontecem por abuso dentro das próprias famílias. “Um filho deve ser a melhor coisa do mundo, isto acontece quando ele vem no momento exato. Se vier no momento incorreto, sem planejamento familiar, pode ser a experiência mais angustiante de uma vida.”

 

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Dr. Thiago Duarte
Médico e vereador de Porto Alegre