A educação em que acreditamos

Carlos Drummond de Andrade, nosso poeta maior, em sua eminente publicação A Rosa do Povo (1945), escreve que as palavras não nascem amarradas – saltam, num céu livre, largas, autênticas, indevassáveis. Na tentativa de captar os sentidos do que expressa o mineiro de Itabira, podemos fazer uma analogia com o cotidiano: somos seres humanos cujas vivências constituem nossa essência. Não somos “uno”, mas diversos. Muitos. Infinitos, talvez.

É nesse ponto que reside (ou deveria) a preocupação primordial de quem tem em sua profissão (e missão) a educação: a diversidade. Contudo, mais que uma questão étnico-cultural, ela deve ser compreendida como fator inerente ao ser humano, principalmente quando refletimos acerca de “aprendizado”. Melhor, “aprendizados”; afinal, aprender de todos os jeitos transcende os conteúdos pré-estabelecidos por documentos oficiais ou cobrados nos principais vestibulares do Estado.

Nós, da Educação Vicentina Santa Luzia, fazemos isso há mais de 70 anos. Acreditamos, tal como o grande professor, que não só os educadores, mas os educandos têm fundamental importância no processo de ensino-aprendizagem. Valorizar não só o conteúdo, mas o mundo e, também, a “palavramundo”, isto é, a educação – na acepção plena do vocábulo – existe apenas se são valorizados os aspectos emocionais, sociais, afetivos e cognitivos.

Eis então as perguntas: “o que significa “palavramundo?” e “qual sua relação subjetiva com a aprendizagem?”. Em relação ao primeiro questionamento, Paulo Freire, na obra A importância do ato de ler (1997), ressalta que a leitura precede a decodificação de sons por meio de letras, pois, antes mesmo de sermos apresentados ao código escrito, vivenciamos experiências as mais diversas, construímos relações sociais e afetivas, aprendemos a distinguir o certo e o errado – enfim, podemos dizer que o ser humano é resultado de suas vivências. Eis a “palavramundo”.

Respondendo à primeira questão, temos indícios para a resposta da segunda; afinal, se o ser humano é resultado de suas vivências, é preciso, primordialmente, ao pensar o processo de ensino-aprendizagem, atender o aluno em sua individualidade, por meio de uma via de mão dupla na qual escola e estudante se adaptem um ao outro. Este, ao seguir as normas de convivência para o bom andamento do cotidiano escolar, bem como ao realizar suas tarefas e atividades, buscando a construção de sua autonomia. Aquela, a escola, investindo em um corpo docente qualificado e atualizado, que compreenda que cada aluno tem um modo e tempo específicos para a aprendizagem. E é nesse ponto em que emergem as aptidões e as dificuldades de cada um.

No que diz respeito às habilidades desenvolvidas e potencialidades exploradas do estudante, buscamos sempre enfatizá-las e aprimorá-las, pois acreditamos que esse é um dos – senão o principal- meios para que se busque a superação ou atenuação das dificuldades de aprendizagem que o aluno possa ter nesta(s) ou naquela(s) disciplina(s). No entanto, quando a dificuldade se faz presente por meio de uma barreira física, sensorial e cognitiva, o nosso compromisso é ainda maior; afinal, precisamos compreender que, quando é inerente ao aluno uma condição a qual – se não trabalhada e cuidada adequadamente – possa inviabilizar seu aprendizado, temos de refletir e pôr em prática em nosso fazer pedagógico objetivos específicos direcionados a esse estudante.

Logo, não podemos simplesmente avaliar o indivíduo a partir de competências e habilidades pré-estabelecidas e canonizadas na cultura escolar. Às vezes, é preciso readequar e orientar o planejamento a partir das possibilidades de resultados que, no momento, o aluno pode apresentar – isso sem nunca esquecer construções fundamentais para o sujeito-educando: responsabilidade, comprometimento e amadurecimento.

Em outras palavras, o que faz de nós, o Santa Luzia, uma instituição sempre inovadora é ter nas práticas inclusivas um de nossos principais alicerces e tradição. Desde a fundação, atendemos pessoas com deficiência visual. Ao longo dos anos, passamos a atender também estudantes videntes. Iniciamos, assim, um processo de inclusão por meio da diversidade e do desenvolvimento da empatia por meio do “olhar” do indivíduo sobre o outro, principalmente quando esse “outro” apresenta alguma dificuldade ou deficiência.

Além disso, antes mesmo da sanção da Lei Brasileira de Inclusão, o Santa Luzia já havia destinado alguns de seus espaços para atender aqueles estudantes que apresentassem dificuldades de aprendizagem ou alguma deficiência: duas salas de recursos, adequadamente equipadas, sob a responsabilidade de professores com formação na área, cada uma direcionada a etapas distintas de aprendizagem: o AEE 1 (educação infantil e fundamental – anos iniciais) e o AEE 2 (educação fundamental – anos finais – e ensino médio).

Ressaltamos que o Atendimento Educacional Especializado deve ser ofertado por toda e qualquer instituição escolar e não só está previsto na Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Básica (1996), como também na já referida Lei Brasileira da Inclusão (2015). Portanto, ao propor uma educação de qualidade e integral, buscamos também agir com transparência e seguir determinados procedimentos antes mesmo de normatizados em lei. Isso é inovar e renovar.

Logo, ressaltamos novamente, o processo de aprendizagem não se inicia nem é finalizado na e pela escola; mas é nela que é apresentado ao estudante um simulacro da vida em sociedade. E nesse ponto, sobretudo, devemos indicar a cada estudante que elas, a vida e as relações que estabelecemos, são pautadas pelas diferenças – um paradoxo, afinal, pois é esse o aspecto que nos torna tão singulares e, de alguma forma, unidos.

Eduardo Belmonte – Professor do AEE 2, de língua portuguesa e redação do Santa Luzia