Edith Hervé de Souza: uma mulher a frente do seu tempo

Encerrando com chave de ouro a Semana da Mulher, O Jornalecão homenageia todas as mulheres guerreiras, fortes e persistentes em seus ideais, na pessoa de uma das muitas grandes mulheres que ajudaram a fazer de O Jornalecão o porta-voz da comunidade da Zona Sul

 

Edith Hervé de Souza a Vó Edith

 

Quem via aquela senhora de cabelos brancos participando de eventos na igreja Santa Rita de Cássia e na Escola Professores Langendonck, no bairro Guarujá, ou subindo as ruelas do bairro Serraria e becos adjacentes para ajudar os mais necessitados durante os anos 80, não imaginava a mulher revolucionária que havia sido nos anos 40.

Durante as décadas de 30 e 40, quando era muito jovem, Edith Hervé saiu dos padrões que orientavam as moças a serem mães e donas de casa. Seguiu o seu sonho: se tornou jornalista. Foi colega de trabalho de Erico Verissimo e Mario Quintana, entre outros, na Revista do Globo. Trabalhou também no jornal comunista A Tribuna Gaúcha, quando o Brasil vivia uma ditadura e ser comunista era ilegal. Acabou sendo perseguida e teve que usar pseudônimo para continuar trabalhando, mas não desistiu de escrever.

Casou só depois dos 40 anos e foi morar com o marido, Juvenal Jacinto de Souza (o primeiro tradutor do Rio Grande do Sul), no bairro Guarujá, onde, inicialmente, eram mal vistos por parte dos moradores devido à fama de serem comunistas. Mesmo assim, Edith foi convidada a participar das atividades da igreja Santa Rita de Cássia. Foi então que deixou de ser materialista e entendeu o espiritualismo. Participou de movimentos comunitários e culturais, seguindo seu desejo de ajudar os mais necessitados (com base nos ideais comunistas de igualdade e divisão dos bens de sobrevivência e de cultura). Na Pastoral da Cultura da igreja, criou o jornal Ares D’Aqui e o teatro Comunidade Eclesial de Base, incentivando os jovens do bairro. Ali criou e dirigiu vários espetáculos teatrais, como: Deus conosco, Comunidade em Construção e Auto de Santa Rita, por volta dos anos 80.

Nesta época, já era conhecida como Vó Edith. Depois, quando sua saúde não mais lhe permitia andar pelas ruas do bairro visitando os necessitados ou se reunindo com os jovens em algum projeto cultural, teve a ideia de escrever para O Jornalecão, que começava a se expandir do Guarujá para outros bairros, e foi convidada pelo jornalista Gustavo Cruz (que, na época, se preparava para iniciar a faculdade de Jornalismo) para escrever uma coluna em O Jornalecão. A partir de então voltou ao jornalismo, escrevendo, até seus últimos dias, a Coluna da Vó Edith, com suas opiniões e poemas “engavetados” de moradores da Zona Sul que ela adorava divulgar para os vizinhos.

 

Transcrevemos aqui a primeira coluna que escreveu em O Jornalecão (em 1993):

 

“Quando O Jornalecão me propôs assinar uma coluna, ‘Coluna da Vó Edith’, meu coração acelerou feliz, como se eu tivesse 20 anos e obtivesse um espaço (que antes não conseguira, na época) para divulgar poesias inéditas desses autores que escondem suas produções nas gavetas, quer por timidez de descobrir a própria alma, quer pelo temor à rejeição. Isto estava sendo oferecido por Batavo, isto é, Gustavo Cruz da Silveira, o diretor, de 17 anos, que tenho orgulho de contar entre meus ‘netos’ do Guarujá. Chegaste numa hora em que eu, deprimida por uma doença grave e inesperada, contava e recontava as tábuas do teto… Depois, me concentrava no Creio, na convicção de que a reza iluminaria os meus 78 anos como um ensaio à ressurreição na vida eterna.

E aqui estou, meus netos da esperança, convidando para o envio de suas respectivas produções poéticas à redação de O Jornalecão ou à minha casa. É no material recebido que pretendo achar as poesias a serem publicadas na Coluna da Vó Edith. Aguardo…”

E vó Edith não parou de escrever até 1998, quando veio a falecer com 82 anos de idade.